O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), se declarou suspeito e abandonou a relatoria de uma ação movida pelo governo Lula que tem o objetivo de impedir a Loteria do Estado do Rio de Janeiro (Loterj) de autorizar o funcionamento de casas de apostas on-line em todo o território nacional, aponta reportagem da Manu Gaspar no O Globo.
A ação foi alvo de um sorteio eletrônico nesta quarta-feira (30), com o ministro André Mendonça escolhido como novo relator.
Fachin deixou o caso na última terça-feira (29), um dia depois de a Associação Nacional dos Operadores Estaduais de Jogos e Loterias pedir ao Supremo para acompanhar a ação na condição de “amigo da Corte”. A petição da entidade, que reúne casas de apostas on-line e loterias esportivas, é assinada pelo ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão e pelo advogado Miguel Gualano de Godoy, que já assessorou o ministro do STF.
Godoy trabalhou no gabinete de Fachin entre 2015 e 2017. Os dois são próximos – e Fachin já escreveu texto de apresentação de um livro do ex-assessor intitulado “Devolver a Constituição ao povo – Crítica à supremacia judicial e diálogos institucionais”, lançado em 2017.
O pedido dele para ingressar na ação ainda vai ser analisado, mas Fachin deixou a relatoria antes mesmo dessa análise.
“Nos termos do artigo 145, §1º, do CPC (Código de Processo Civil), e do artigo 277, do RISTF (Regimento Interno do STF), diante das petições supervenientes, declaro minha suspeição para atuar no presente feito”, escreveu Fachin em despacho assinado na última terça-feira (29).
O movimento do ministro chama a atenção, já que alguns de seus colegas do STF costumam não ter constrangimentos de decidir sobre ações movidas por empresas que são clientes de seus próprios cônjuges — caso do ministro Dias Toffoli, por exemplo, que suspendeu em dezembro do ano passado os pagamentos do bilionário acordo de leniência da J&F, que tem a advogada Roberta Rangel, sua mulher, como contratada em outro caso bilionário de interesse do grupo dos irmãos Batista, a disputa com a empresa indonésia Paper pelo comando da Eldorado Celulose.
Em agosto do ano passado, com o voto de Toffoli, o Supremo derrubou por 7 a 4 uma regra que impedia os ministros de julgarem casos de clientes de escritórios de advocacia dos quais seus parentes e cônjuges são sócios – o que abriu caminho para Toffoli suspender os pagamentos do acordo fechado pela J&F em 2017 com o Ministério Público Federal, da ordem de R$ 10,3 bilhões. Fachin votou para manter em vigor o impedimento previsto no Código de Processo Civil.
A suspeição de Fachin também ocorre num momento em que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) vive uma crise interna sem precedentes, com investigações sobre o suposto envolvimento de assessores de ministros daquele tribunal em um esquema de venda de sentenças judiciais.
O amigo da Corte não é parte do processo, mas atua como uma espécie de assistente que pode se manifestar nos autos, subsidiando a ação com informações e até se pronunciando no julgamento. Fachin se declarou suspeito antes mesmo de analisar o pedido do ex-auxiliar para atuar no caso.
O dispositivo do Código de Processo Civil mencionado pelo ministro prevê que o juiz poderá “declarar-se suspeito por motivo de foro íntimo, sem necessidade de declarar suas razões”. Já o regimento interno do STF prevê, no artigo 277, que os ministros devem se declarar “impedidos ou suspeitos nos casos previstos em lei”.
Na ação, a Advocacia-Geral da União (AGU) alega que o credenciamento de empresas para atuação em todo o país desobedece a regras do Ministério da Fazenda e é atribuição da União – e não da Loterj.
Segundo a AGU, a Loterj tem invadido uma competência do Ministério da Fazenda e credenciado empresas para explorar o serviço nacionalmente, adotando um sistema em que se declara estar apostando a partir do Estado do Rio, mas sem uma ferramenta de geolocalização que permita confirmar que as apostas são mesmo feitas na região. O sistema, de acordo com a AGU, também não impede a participação de apostadores de outros Estados.
Em manifestação enviada ao Supremo na semana passada, a Procuradoria-Geral da República (PGR) concordou com a AGU e defendeu a concessão de uma medida liminar para proibir a Loterj de autorizar o funcionamento de casas de apostas esportivas em âmbito nacional.
Procurado pela equipe da coluna, o STF não havia se manifestado até a publicação desta reportagem.
Fonte: O Globo
Relacionados