Gaming365 conversa com Amilton Noble, Diretor Executivo da Hebara sobre as mudanças e perspectivas do setor em 2024
Com a regulamentação do mercado de apostas esportivas no Brasil, o setor enfrenta transformações profundas que prometem ordenar o mercado, mas também impõem desafios inéditos. Desde a luta contra práticas ilegais até o impacto da alta tributação, o cenário exige adaptações rápidas e decisões estratégicas de operadores e reguladores.
Em entrevista exclusiva a Gaming365, Amilton Noble, Diretor Executivo da Hebara Distribuidora de Produtos Lotéricos, empresa brasileira com mais de 40 anos de atuação no setor de loterias e pioneira no desenvolvimento de produtos lotéricos, compartilhou suas opiniões sobre temas essenciais, como a sustentabilidade do mercado, os aprendizados de jurisdições maduras e o papel da regulamentação para equilibrar competitividade e responsabilidade. Confira a seguir toda a entrevista:
1. Em artigos recentes, você mencionou a saturação do mercado de apostas
no Brasil. Quais indicadores concretos no Brasil e em mercados globais,
como o europeu, mostram que o setor pode atingir ou já atingiu o ponto de
exaustão?
Não acredito que o mercado esteja saturado, longe disso. O mercado cresceu de forma descoordenada, em função da falta de regulamentação por quase 6 anos. E isso não ocorreu de forma impune. Hoje temos de um lado operadores comprometidos com as boas práticas desse mercado, com o jogo responsável, com o respeito aos consumidores. De outro lado temos operadores predadores, que não se preocupam com o mercado regulado e que tentarão continuar suas operações à margem da lei. A capacidade do órgão regulador de identificar esses dois lados será determinante para que o mercado continue crescendo. Ainda tem muito espaço para crescimento, principalmente com a diminuição do estigma que a atividade ainda tem, que vai diminuir muito no período pós regulamentação.
2. O excesso de licenças disponíveis em mercados emergentes, como Brasil
e Índia, pode comprometer a sustentabilidade do setor? Há exemplos de
regulamentações internacionais que conseguiram equilibrar quantidade e
qualidade?
O mercado é grande e tem lugar para todos que querem cumprir regras e se adaptar às mudanças que o mercado regulado trará. Independente da quantidade de operadores, se todos estiverem remando para o mesmo lado, o mercado de autorregulará. O problema é que, fazendo uma rápida análise nos pedidos de licença, dá para notar que algumas empresas não reúnem as condições para atuarem em um mercado regulado. Encontramos casos pitorescos como capital social de R$ 1.000,00, salões de cabelereiros e outros objetos estranhos ao mercado de apostas. Ficarei muito surpreso se o total de autorizações seja maior do que 50% dos pedidos feitos até agora.
3. Você acredita que a regulamentação atual no Brasil está alinhada com
padrões globais para ordenar o mercado e evitar fragmentação? Quais
lições podemos aprender de jurisdições maduras, como o Reino Unido e
Malta?
Sem dúvidas a lei brasileira está à altura do que se pratica nos principais mercados mundiais. Ela ainda está longe de ser perfeita, mas como eu digo, é melhor uma lei imperfeita mas feita do que uma lei perfeita e não feita. Passamos quase 6 anos sem uma solidez, com o mercado criando suas próprias regras. E isso causou algumas distorções que agora estão sendo tratadas. Se formos analisar, a lei e as portarias já publicadas tratam dos principais temas: certificação, meios de pagamento, publicidade, jogo responsável, etc. Agora é colocar em prática e ir ajustando o que for necessário. A regulamentação precisa ser viva, mas trazendo segurança jurídica aos players que investem por aqui.
4. Com o aumento da competitividade, práticas ilegais como apostas em
mercados paralelos continuam sendo um problema. Como países com
histórico de saturação, como a Itália, têm lidado com essas práticas, e o
que o Brasil poderia aprender com esses casos?
O grande desafio de qualquer mercado regulado é como coibir os jogos ilegais. Eles são nocivos aos operadores regulados, ao Estado e, em última instância, aos apostadores que não têm a segurança de recebimento de seus prêmios. Porém, especialmente em mercados com tributação elevada, como o da Itália (24% do GGR), a margem fica atrativa para o jogo ilegal, que pode aumentar as suas ODDs , tornando a competição mais difícil para os operadores regulados que pagam seus impostos. Com margens altas, os operadores ilegais se fortalecem e tornam a tarefa do regulador ainda mais difícil.
O Brasil deveria tirar de lição é que uma tributação adequada aumenta a canalização, faz com que o jogo ilegal fique enfraquecido e dá segurança aos apostadores. Portanto, deveríamos deixar de falar no absurdo do “imposto seletivo”. Vale ressaltar que erroneamente alguns estão falando que tributação do jogo é de 12%. Esquecem que temos PIS, Cofins, ISS, IRRF, CSLL, o que eleva a tributação para 30% aproximadamente.
5. O modelo de patrocínio esportivo parece estar em seu limite em muitos
países. Como a saturação do mercado no Brasil impactará essa prática, e
quais alternativas mais sustentáveis podemos observar em outros
mercados?
O partocínio esportivo foi utilizado por muitos operadores de apostas como porta de entrada para o mercado, em função da assertividade desse tipo de ação. Mesclar a visibilidade da marca exposta em um clube de futebol, por exemplo, com a paixão da torcida daquele clube tem uma potência incrível. Isso ajudou a inflacionar o mercado, elevando a patamares inimagináveis há alguns anos.
Mas isso teve um efeito positivo muito relevante. O fortalecimento dos clubes fez com que os resultados esportivos aumentassem e isso retroalimentou o ecossistema. Portanto, todo mundo saiu ganhando.
O mercado regulado terá outras características, com menos dinheiro disponível para patrocínios em função dos novos custos que a regulamentação trará, especialmente os tributário. Ao mesmo tempo, uma possível diminuição do número de operadores fará com que as disputas pelos melhores espaços sejam mais acirradas. É aguardar para ver esse novo cenário.
Outro fato relevante é ver se o congresso nacional ou o STF não irão impor restrições a esta prática, o que seria lamentável para um mercado em fase de regulamentação.
6. No cenário global, operadores têm inovado em produtos ou serviços para
se diferenciar em mercados saturados? Ou estamos assistindo a uma
estagnação, onde a competição se baseia quase exclusivamente em
marketing e preço?
Este mercado cresceu rapidamente, em função da expansão e das novidades sempre constantes que trouxe para os apostadores. Agora, com as exigências de certificação, os produtos tendem a se estabilizar e as novidades não devem seguir a mesma velocidade. É de se esperar uma “guerra de preços” com os grandes operadores praticando ODDs mais atrativas para dificultar a manutenção dos pequenos operadores que não estiverem tão capitalizados. Quanto às ações de marketing, muitos operadores terão dificuldade de se adaptar ao preceituado pelo CONAR. A questão de Governança e a capacidade de adaptação a ela serão determinantes para o sucesso dos operadores em um mercado regulado.
7. Qual seria a solução mais prática, observando exemplos internacionais,
para evitar que o mercado de apostas no Brasil passe de uma
oportunidade para um risco econômico, especialmente para operadores
locais?
Essa resposta é complexa pois, se dependesse apenas das condições de mercado, os operadores poderiam assumir os riscos econômicos normalmente como em qualquer indústria. Ocorre que no mercado de apostas, especialmente nos últimos 30 dias, tivemos o Presidente e o Vice Presidente afirmando que poderão acabar com a atividade. Tivemos a instauração de uma segunda CPI para tratar do tema (e se fala na possibilidade da terceira na Câmara dos Deputados), STF analisando 3 ADINs contra a lei que instituiu a modalidade, uma quantidade incrível de matérias jornalísticas com dados equivocados, inverídicos ou suspeitos, entre outros fatores. E isso é uma ducha de água fria em quem está aguardando a anos para que esse dia chegasse.
Às portas da regulamentação vemos uma insegurança jurídica muito grande, em um momento que todos deveriam estar focados no que é necessário para o começo das consequências práticas a partir de 1 de janeiro (menos de 45 dias).
8. O STF realizou uma audiência pública para debater os desafios do
mercado brasileiro de apostas. Em seguida, o ministro Luiz Fux emitiu uma
liminar exigindo ações imediatas para proteger programas sociais e
combater propagandas voltadas a menores. O ministro Flávio Dino
também sugeriu proibir apostas em eventos relacionados a um único
atleta. Você acredita que essas medidas do STF podem impactar
negativamente o setor de apostas no Brasil, especialmente em termos de
regulação e crescimento do mercado?
Audiências públicas são sempre salutares para uma operação de regulação, pois permitem que todos os interessados se manifestem, seja a favor ou contrários. Somente debatendo o tema é que se pode avançar.
Ocorre que, na prática, a decisão do Ministro Fux apenas serviu para acelerar o que já estava previsto na Lei. A proibição de publicidade para menor de idade já consta na lei e entraria em prática em mais alguns dias. A proibição de apostas com recursos do bolsa família traz no cerne da decisão um “defeito de origem”, em função da complexidade de operacionalização. Como pode ser evitado que um beneficiário do bolsa família saque o valor e faça um pix de outra conta? Como evitar que um assistido pelo programa faça uma aposta de loteria ao sacar os seus recursos em uma casa lotérica (ou o risco de empobrecimento da população só vem das bets?). Sem entrar no mérito da decisão, cabe só salientar que medidas dessa natureza deveriam ser mais discutidas com especialistas que rapidamente apontariam a completa inviabilidade. Quanto a apostas por menores, elas são proibidas pelo ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente, uma lei dos anos 1990.
No que se refere ao voto do Ministro Flávio Dino é um dos casos que chamo de “jogar para a galera”. Para coibir uma suposta manipulação de um jogador de futebol, que teria tomado um cartão para beneficiar alguns familiares, o ministro, sem nenhuma consulta a quem entende do assunto, sugere acabar com as apostas em esporte que dependam de uma ação isolada de apenas um atleta. Esqueceu o ministro que, se aprovada essa esdrúxula iniciativa, estaria proibindo, automaticamente, apostas em Tênis, Box, MMA, Fórmula 1 e outros esportes onde apenas um atleta compete.
E mais grave do que isso, não precisa ser especialista para entender que se adotada a proibição de apostas em mercados de cartão, por exemplo, isso poderia incentivar a prática de manipulação por uma questão simples. Uma operação regulada trará holofotes para todos os envolvidos. É fácil saber que as apostas dos manipuladores podem ocorrer aqui como em qualquer lugar do mundo, com um simples clique no celular. Então, se não for permitida por aqui a aposta não inviabilizará que a manipulação do cartão seja feita para beneficiar uma pessoa que apostou na Ásia. E assim, sem holofote, o “crime” compensará mais ainda.
Por isso que afirmo que a regulamentação precisa ser feita com serenidade e conhecimento, para não gerar distorções (ou seriam aberrações) dessa natureza.