Juíza sugere que MP ‘protege interesses’ e quer reavaliação de arquivamento do caso Gusttavo Lima

A juíza Andréa Calado da Cruz, da 12ª Vara Criminal do Recife, criticou nesta segunda-feira, 16, o arquivamento da investigação contra o cantor Gusttavo Lima e os sócios da casa de apostas paraibana Vaidebet. A magistrada ainda sugeriu que o Ministério Público de Pernambuco (MP-PE) quer “esconder alguém ou proteger algum interesse não revelado” na Operação Integration.

Procurado pela reportagem do Estadão, o comando do Ministério Público não se manifestou. O sertanejo e o site de apostas têm negado as acusações.

Com uma briga jurídica conflagrada desde a semana passada, advogados e investigadores ouvidos pela reportagem sob reserva já vislumbram esvaziamento e “pizza” da operação. Com críticas aos trabalhos apresentados por autoridades que acusam e julgam, parte deles já avalia que será possível, em alguma instância, emplacar teses sobre improcedência das alegações e até de nulidade de processos, inclusive o que atingiu a influenciadora digital Deolane Bezerra.

Em decisão desta segunda, a magistrada não aceitou o arquivamento de parte da investigação definido pela Procuradoria-Geral de Justiça (PGJ) do MP-PE, na sexta-feira, 13, e determinou que o órgão reavalie o próprio entendimento.

“Em respeito ao sistema acusatório, que exige clareza e objetividade na atuação do órgão ministerial, restituo os autos à Procuradoria-Geral de Justiça, para que esta se manifeste de forma inequívoca e decidida”, destacou.

A juíza apontou que a posição do MP-PE é duvidosa porque o órgão optou pelo arquivamento, mas, ao mesmo tempo, opinou pela remessa de dois relatórios de movimentação financeira elaborados pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) para análise do Ministério Público da Paraíba, onde está a sede da Vaidebet, do empresário José André Rocha Neto. Andréa Calado da Cruz já havia negado retirar o caso de Pernambuco.

“A insistência em trazer novamente a mesma tese à baila, sem qualquer novo fundamento ou elementos que justifiquem a reabertura da discussão, parece não só desrespeitar a coisa julgada, mas também levantar a suspeita de que, em algumas ocasiões, essa insistência sem fundamento possa estar sendo utilizada para esconder alguém ou proteger algum interesse não revelado”, disse, na decisão.

Ao recomendar o envio de parte do caso à Paraíba, os membros do MP-PE entenderam que os relatórios de inteligência financeira incluídos na investigação não demonstram envolvimento da casa de apostas e de Gusttavo Lima nos crimes investigados no Recife.

Qual é a diferença de entendimento entre a polícia e os promotores?

Além da Vaidebet, a Operação Integration mira negócios da casa de apostas Esportes da Sorte, de Pernambuco. Com relação a esta empresa, os promotores não descartam o crime de lavagem de dinheiro do jogo do bicho por meio da bet. A empresa, que é patrocinadora do Corinthians, nega irregularidades.

O Ministério Público entende que o mero funcionamento de uma bet não pode ser considerado crime antecedente que justifique uma acusação de lavagem de dinheiro porque as leis federais 13.755/2018 e 14.709/2023 permitiram a atividade. Só seria possível acusar alguém de lavar dinheiro sujo se demonstrada a relação direta com o jogo do bicho, ainda considerado ilegal.

O entendimento da Polícia Civil é outro. Para os delegados do caso, essas leis estabelecem que só estarão autorizadas a funcionar as casas de apostas com o aval do Ministério da Fazenda a partir de 1º de janeiro de 2025. Além disso, delegados destacam que as bets investigadas não atuavam desde o exterior como declaravam e deveriam fazer, conforme a legislação.

Os promotores de Justiça, os delegados e a juíza que atuam na Operação Integration travam divergências públicas sobre teses jurídicas desde a semana passada. Os desentendimentos evoluíram para a troca de acusações sobre parcialidade de parte a parte. O Ministério Público chegou a pedir ao Tribunal de Justiça de Pernambuco abertura de procedimento disciplinar contra a magistrada. O requerimento foi negado.

Para o órgão, a juíza não tem conduzido os trabalhos de forma isenta e vem cometendo abusos, “em atitude típica de quem aparenta paixão pela investigação e não consegue manter distância e isenção indispensáveis”. Para os promotores, ela está exigindo denúncia criminal contra os indiciados, ainda que os responsáveis por apresentar a ação penal não identifiquem elementos suficientes para uma acusação.

Em reação, na sexta-feira, Andréa Calado da Cruz determinou que a PGJ examine o trabalho dos promotores do caso e “tome providências necessárias diante da inércia processual observada”. Ela entende que eles já deveriam ter apresentado uma denúncia e ainda não fizeram. Os promotores afirmam que é necessário aguardar o resultado de análises de informações bancárias pela Polícia Civil.

Os delegados do caso não concordam com o arquivamento de parte da investigação. A Operação Integration foi deflagrada em setembro, mas a busca e apreensão que resultou nela ocorreu em dezembro de 2022.

“As empresas investigadas sempre funcionaram no Brasil e não no exterior, a despeito de alegação de que seriam sediadas em Curaçao. Constatou-se que essas empresas pertencem ao brasileiros investigados – conforme consta na declaração do Imposto de Renda dos CEOs, os quais nunca sequer estiveram em Curaçao. Há indícios de que o retorno dos valores enviados ao exterior – que correspondem a ganhos dos sócios – vem por meio de empresas que ‘prestam’ atividade de publicidade e eventos dos sócios das empresas”, destacou a polícia, em nota na semana passada.

Fonte: Estadão

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