Com novas restrições aprovadas no Senado, setor questiona impactos econômicos, insegurança jurídica e benefícios ao mercado clandestino
A recente aprovação no Senado Federal do Projeto de Lei que impõe restrições à publicidade das apostas esportivas de quota fixa reacendeu um debate que vai além da pauta da ludopatia: até que ponto limitar a comunicação das bets pode gerar efeitos colaterais ainda mais danosos?
Especialistas alertam que, embora a intenção de proteger públicos vulneráveis — especialmente pessoas com comportamento patológico frente ao jogo — seja legítima, o resultado prático das restrições pode ser um incentivo direto ao crescimento do mercado ilegal. A medida também gera insegurança jurídica e ameaça o modelo de negócios das operadoras que estão regularizadas junto ao Ministério da Fazenda.
“Hoje, temos empresas que já pagaram os R$ 30 milhões exigidos e estão operando de acordo com a legislação, enquanto há diversas outras que não pagaram sequer um real, não recolhem nenhum tipo de imposto, fazem publicidade de maneira totalmente arbitrária, ilegal, imoral — e, ainda assim, esse mercado irregular segue em expansão”, aponta Gustavo Biglia, sócio do Ambiel Advogados e especialista em Regulamentação do Mercado de Apostas.
Mudança na regra do jogo
Desde a regulamentação feita via Secretaria de Prêmios e Apostas, operadoras entraram com seus pedidos de outorga baseadas em um conjunto de regras que permitia publicidade — ainda que com diretrizes gerais de proteção ao consumidor e ao jogo responsável. Agora, alterar esse cenário com novas restrições pode impactar diretamente o fluxo de caixa e o plano de aquisição de clientes dessas empresas.
“É fundamental entender qual medida será adotada para oferecer segurança jurídica e conforto às casas de apostas, de forma que essas mudanças não comprometam a arrecadação, nem coloquem em risco a viabilidade econômica da atividade”, defende Biglia.
Segundo o advogado, o cerne da questão é simples: como garantir previsibilidade jurídica a um setor que investiu pesadamente com base em regras que agora estão sendo revistas? Ele argumenta que a restrição publicitária afeta diretamente a estrutura econômica dessas empresas, abrindo margem para questionamentos legais.
“Isso pode ser considerado, inclusive, um movimento temerário do ponto de vista jurídico, pois os operadores podem demonstrar facilmente o impacto que essas regras podem acarretar no faturamento”, completa Biglia.
O que muda, na prática?
As novas regras trazem uma série de proibições à publicidade de apostas, especialmente em ambientes de grande apelo popular. Confira abaixo os principais pontos da regulamentação:
Proibições
- Anúncios durante transmissões ao vivo de eventos esportivos;
- Exibição de odds dinâmicas em tempo real (exceto nos próprios sites das operadoras);
- Publicidade impressa;
- Impulsionamento de conteúdo fora do horário permitido;
- Participação de atletas, artistas, influenciadores e figuras públicas (exceto ex-atletas aposentados há mais de 5 anos);
- Patrocínios a árbitros e equipes de arbitragem;
- Anúncios que associem apostas a sucesso pessoal, renda extra ou solução de problemas financeiros;
- Conteúdo direcionado ao público infantojuvenil, direta ou subliminarmente;
- Envio de mensagens publicitárias sem consentimento prévio;
- Publicidade sexista, misógina, discriminatória ou que objetifique o corpo;
- Publicidade estática/eletrônica em estádios, salvo em casos específicos de patrocínio oficial.
Permissões
- Anúncios em TV, streaming e redes sociais entre 19h30 e 24h;
- Publicidade em rádio das 9h às 11h e das 17h às 19h30;
- Exibição de publicidade 15 minutos antes e depois das transmissões ao vivo;
- Publicidade em sites e apps próprios das operadoras ou patrocinados;
- Exibição de marca nas chamadas de eventos esportivos entre 21h e 6h (sem bônus, odds ou incentivos);
- Anúncios para usuários autenticados maiores de 18 anos, com opção de desativar o recebimento nas plataformas.
Entre o discurso e a realidade
Embora o PL aponte para a construção de um ambiente mais seguro para os consumidores, há um descompasso evidente entre o rigor aplicado às operadoras legalizadas e a falta de controle sobre o mercado clandestino. Na prática, as empresas que seguem as regras passam a ter sua comunicação limitada, enquanto operadoras ilegais seguem atuando à margem, muitas vezes sem qualquer tipo de fiscalização.
“Essa é a grande contradição: restringe-se quem está dentro da lei e fecha-se os olhos para quem opera fora dela”, resume Biglia.
A conta vai chegar?
A aprovação do projeto ainda precisa ser sancionada pela Presidência, mas o alerta já está dado: sem um debate mais profundo sobre a viabilidade econômica das operadoras licenciadas, o risco é comprometer a arrecadação do próprio Estado e abrir mais espaço para o mercado ilegal.
O cenário exige equilíbrio — entre responsabilidade social e sustentabilidade econômica. E, até aqui, parece que o pêndulo está oscilando demais para um lado só.
Fonte: Gustavo Biglia – sócio do Ambiel Advogados e especialista em Regulamentação de Casas de Apostas. Pós-graduado em Direito Societário pela FGV/SP.