Ministério da Fazenda mapeia fintechs para ‘secar’ fluxo de bet ilegal

Na missão de combater o funcionamento de bets ilegais, o governo começou a montar uma “árvore” de informações sobre quais são os bancos e fintechs que prestam serviços a elas. No geral, esses negócios não autorizados se valem de contas de prestadores de serviços financeiros, também conhecidas como “contas-bolsão”, majoritariamente em instituições que, pelo seu porte pequeno, estão no momento fora do radar do Banco Central – mas estão ao alcance da Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA) do Ministério da Fazenda, que tem atuado para “secar” o fluxo financeiro dessas bets.

“A gente começa a perceber que provavelmente esses prestadores de serviços, sejam as próprias instituições de pagamento, sejam pessoas intermediárias, também prestam serviço para outras atividades ilegais”, disse ao Valor o secretário de Prêmios e Apostas, Regis Dudena, duas semanas após a deflagração de megaoperações que investigam a atuação do crime organizado no setor de combustíveis e a lavagem dos recursos em fintechs. “Essa é a impressão que a gente tem.”

As informações coletadas pela SPA são compartilhadas com órgãos como o Banco Central, a Polícia Federal e a Receita Federal, para que cada um atue na sua esfera de competência, disse o secretário.

Ele explicou que o trabalho da secretaria que lidera é desenvolvido em três frentes: coibir a publicidade de sites ilegais, “derrubá-los” e “secar” o fluxo financeiro desses negócios. Nas duas últimas, há conexões com o setor financeiro.

Na primeira metade do ano, a SPA “derrubou” 18 mil sites de apostas ilegais. “Uma vez que começamos a identificá-los, identificamos também quem eram os prestadores financeiros e quais eram as contas intermediárias desses prestadores financeiros”, disse.

bets
Foto: Danilo Verpa/Folhapress

Muitas vezes, explicou o secretário, o fluxo das bets ilegais se dá em contas de prestadores de serviços. Elas servem para fins legais, mas também para “pessoa que eventualmente tenha qualquer espécie de restrição.”

São as chamadas “contas-bolsão” ou “contas-ônibus”. Nas megaoperações no setor de combustíveis, foi constatado o uso delas para legalizar recursos do crime organizado.

Até o momento, foram identificadas de 300 a 400 contas desse tipo utilizadas por bets ilegais, informou. Em sua maioria, estão em instituições de pagamentos (fintechs) que, pelo seu porte, não precisam de autorização do Banco Central para operar.

“Qual é o principal motivo disso? É porque elas estão abaixo do radar de supervisão do regulador. O Banco Central não olhava para elas até esse momento, porque, para usar a expressão do setor financeiro, elas não tinham relevância sistêmica suficiente”, contou Dudena.

“A gente vai criando um quadro cada vez mais sólido de quem são esses prestadores de serviço financeiro”, Regis Dudena.

Depois das megaoperações e de uma série de ataques hackers, essas instituições precisarão agora solicitar autorização ao Banco Central para seguir operando. O prazo final, que era dezembro de 2029, foi antecipado para maio de 2026, “à luz do envolvimento do crime organizado nos recentes eventos de ataques a instituições financeiras e de pagamento”, informou a autarquia no início deste mês.

“O que a gente sabe é que essas que prestam serviços para aquilo que nos parece ser ilegal provavelmente também prestam outros tipos de serviços para outros ilegais”, comentou Dudena.

Bets - Regis Dudena
Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Além do mapeamento que começa com a derrubada de sites de apostas ilegais, existe um outro instrumento: a obrigação de bancos, fintechs e administradoras de cartões desenvolverem metodologias para identificar bets não autorizadas. Está previsto na lei que regula as apostas no Brasil. “Aqui, a gente tem dentes”, frisou o secretário.

“Se conseguirmos que todas as instituições financeiras de pagamento e instituidores de arranjo não prestem serviços para casa de apostas, eles não têm como ganhar dinheiro com isso”, comentou. “Então, a gente seca a parte financeira deles.”

Ele contou como as instituições conseguem identificar contas suspeitas. “Esse cara aqui, ele tem o registro de um vendedor de carros usados”, exemplificou. “Só que aí você vê um monte de transferências de R$ 100 à noite e fala: ‘esse cara não é um vendedor de carros usados. Ele está fazendo outra coisa’.”

Em um caso como esse, as instituições precisam reportar a situação à SPA e dizer que há indícios de operação de uma bet ilegal. Além disso, devem encerrar a relação com aquele cliente.

Outra maneira que as instituições usam para detectar possíveis bets ilegais é monitorar o fluxo de pagamentos de pequeno valor via Pix antes de partidas de futebol – por exemplo, nas noites de quarta-feira. “Você identifica um pico de transferências para uma conta específica, vai olhar, e é uma padaria”, contou. “Existe no mercado financeiro uma expressão que é o ‘conheça seu cliente’, ou seja, é dever da instituição saber se essa ‘padaria’ é uma padaria de verdade.”

Os reportes das instituições à SPA podem apontar para uma mesma direção. “Eu tenho quatro bancos que falam da mesma conta”, exemplificou. “Então, a gente vai criando um quadro cada vez mais sólido de quem são esses prestadores de serviço financeiro.”

Na falta de colaboração das instituições, a SPA pode abrir processos. As multas aplicadas são de até R$ 2 bilhões. A Medida Provisória (MP) 1.303, que eleva a tributação de bets e fintechs, também reforça essa possibilidade de punição. Além disso, o Projeto de Lei Complementar (PL) 182, que corta gastos tributários, abre caminho para cobrar das instituições os impostos que a bet ilegal deixou de recolher.

De acordo com dados da SPA, no primeiro semestre deste ano 24 instituições financeiras e de pagamento fizeram 277 reportes à SPA e encerraram contas de 255 pessoas físicas e jurídicas.

Na outra mão, a SPA oficiou 13 instituições de pagamento, requisitando informações e notificando para o encerramento de contas. Foram fechadas 45.

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