Nova Portaria do Ministério da Fazenda sobre apostas com Bolsa Família pode empurrar apostadores para o mercado ilegal, apontam especialistas

Por Yasmin Farias – Advogada (OAB/PE 68.030)
Análise: Constitucionalidade, impactos e alternativas regulatórias da Portaria SPA/MF nº 2.217/2025


📜 Entenda o que mudou com a Portaria nº 2.217/2025

Publicada em 1º de outubro de 2025, a Portaria SPA/MF nº 2.217/2025 alterou a Portaria nº 1.231/2024, incluindo uma regra inédita: a proibição de participação em apostas de quota fixa por beneficiários do Bolsa Família (PBF) e do Benefício de Prestação Continuada (BPC).

Na prática, a medida impede que qualquer pessoa cadastrada nesses programas sociais participe de apostas esportivas — mesmo que utilize recursos próprios e lícitos.

A portaria também faz referência à Instrução Normativa SPA/MF nº 22/2025, que determina a operacionalização dessa restrição via SIGAP, sistema utilizado para controle e verificação dos apostadores.


⚖️ Base legal e o contexto no STF

O Ministério da Fazenda baseou a decisão em medidas cautelares do Supremo Tribunal Federal (STF) nas ADIs nº 7.721 e 7.723, que determinaram a adoção de mecanismos para impedir o uso de recursos assistenciais em apostas.

No entanto, há um ponto crucial: a decisão do STF não proibiu o ato de apostar em si, mas apenas o uso de dinheiro proveniente dos benefícios sociais. A portaria, ao estender a proibição a todos os beneficiários, independentemente da origem dos recursos, pode ter ido além do que foi determinado judicialmente.


⚠️ Risco de inconstitucionalidade e excesso regulamentar

A análise aponta que, embora o Ministério da Fazenda possua competência legal para regulamentar o setor (Lei nº 14.790/2023), a medida pode afrontar princípios constitucionais como:

  • Legalidade e reserva legal (art. 5º, II, CF)
  • Isonomia (art. 5º, caput, CF)
  • Dignidade e autonomia da pessoa humana (art. 1º, III, CF)
  • Proporcionalidade

Em outras palavras, ao proibir todos os beneficiários de apostarem, mesmo quando utilizam recursos próprios, o Estado restringe um direito de forma desproporcional e estigmatizante, tratando um grupo inteiro como incapaz de exercer liberdade econômica com responsabilidade.


💬 “Medida bem-intencionada, mas mal calibrada”

Segundo a análise, o objetivo da portaria é legítimo — proteger pessoas em situação de vulnerabilidade —, mas seus efeitos práticos podem ser opostos ao desejado.

“A restrição tende a empurrar parte dos beneficiários para o mercado ilegal, expondo-os a contextos de risco mais acentuados, ao mesmo tempo em que fragiliza o mercado regulado e enfraquece as políticas de integridade e de jogo responsável”, destaca a advogada Yasmin Farias.

Com isso, o setor pode enfrentar migração para sites não licenciados, evasão fiscal e enfraquecimento da política pública de regulação — justamente o contrário do que a portaria pretende combater.


🔍 Caminhos regulatórios mais eficazes

A análise destaca que o Brasil já possui ferramentas sólidas de proteção ao jogador desde a Portaria SPA/MF nº 1.231/2024, como:

  • Limites de depósitos e apostas
  • Mecanismos de autoexclusão
  • Monitoramento comportamental
  • Políticas de conscientização e jogo responsável

Essas medidas estão alinhadas a modelos internacionais — como o da Gambling Commission do Reino Unido, que evita proibições automáticas e aposta em intervenções progressivas baseadas em dados e comportamento real do jogador.

“O foco deveria ser o controle da origem dos depósitos e a fiscalização ativa dos operadores, e não a exclusão generalizada de grupos sociais inteiros”, explica Farias.


🇧🇷 Como o Brasil pode aprimorar a regulação

Em vez de criar novas restrições infralegais, o caminho mais eficiente seria:

  1. Intensificar a fiscalização dos operadores já licenciados;
  2. Aprimorar o SIGAP como ferramenta de autoexclusão nacional;
  3. Adotar sistemas de alerta e intervenção progressiva, que identifiquem comportamentos de risco em tempo real;
  4. Definir por lei, e não por portaria, os limites claros sobre o uso de benefícios sociais em apostas.

🧩 Conclusão: equilíbrio entre proteção e liberdade

A Portaria SPA/MF nº 2.217/2025 é formalmente constitucional, pois cumpre uma decisão judicial e se apoia em competência legal. Contudo, materialmente apresenta fragilidades, pois extrapola o alcance da decisão do STF e restringe direitos de forma desproporcional.

“A política pública mais adequada é aquela que concilia a proteção dos vulneráveis com o fortalecimento do mercado regulado. O jogo responsável se faz com tecnologia, educação e regulação eficaz — não com exclusão social”, conclui Yasmin Farias.


📍 Recife, 2 de outubro de 2025
Yasmin Farias – Advogada (OAB/PE: 68.030)


🗞️ Nota da Redação – Gaming365 promove o debate

A Gaming365 entende que o tema suscita reflexões urgentes e necessárias sobre a coerência da política regulatória brasileira.

Enquanto a nova Portaria veda o acesso de beneficiários do Bolsa Família e BPC às apostas de quota fixa, os mesmos cidadãos seguem podendo apostar normalmente na Mega-Sena, Lotofácil e outros produtos lotéricos da Caixa Econômica Federal, inclusive diretamente pelo aplicativo da Caixa, onde há uma aba exclusiva de “Loterias Caixa”, disponível a qualquer correntista.

Na prática, isso significa que beneficiários de programas sociais podem continuar apostando com recursos assistenciais em produtos estatais, mas não em plataformas privadas devidamente regulamentadas pelo próprio Ministério da Fazenda.

Essa diferença de tratamento levanta questionamentos sobre a igualdade regulatória e a efetividade das políticas de jogo responsável, especialmente em um cenário no qual a própria Caixa atua no mesmo mercado de apostas, ainda que sob regime jurídico distinto.

A Gaming365 convida juristas, reguladores, operadores e entidades do setor a participarem desse debate, contribuindo com visões técnicas e equilibradas sobre o futuro da regulação do iGaming no Brasil.📧 Envie sua opinião para: contato@gaming365.com.br

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