Desde que o governo federal regulamentou as apostas de quota fixa, em dezembro de 2023, ao menos 77 municípios brasileiros aprovaram leis para criar suas próprias loterias, muitas delas com cassino online. O movimento, no entanto, é considerado irregular pela Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA) do Ministério da Fazenda, que defende que apenas União, estados e o Distrito Federal têm autorização para explorar a atividade.
Um levantamento do g1 aponta que, entre as cidades que já aprovaram normas sobre o tema, três ainda aguardam sanção dos prefeitos, 39 tiveram leis sancionadas mas não avançaram, 17 estão em fase de estudo ou implantação e outras 17 aguardam editais ou licitações.
Apenas Bodó, no Rio Grande do Norte, colocou a iniciativa em prática, criando a Lotseridó em julho de 2024. No município de pouco mais de 2,3 mil habitantes, 37 empresas foram autorizadas a operar, embora nenhuma esteja credenciada pela Secretaria de Apostas do Ministério da Fazenda.

A ‘brecha legal’
A brecha jurídica decorre da ausência de menção aos municípios na Lei 14.790/2023, que trata das apostas de quota fixa. Para especialistas, esse silêncio abriu espaço para interpretações locais.
“A interpretação dos municípios é que, por não existir proibição expressa, eles estão autorizados a criar suas loterias municipais. Como a lei não diz nada especificamente sobre as cidades brasileiras e, até o momento, o Supremo não mandou suspender nada, [os municípios] podem legislar e explorar esse tipo de serviço”, analisa a professora Telma Rocha, de Direito Constitucional e Administrativo da Universidade Mackenzie Alphaville ao g1.
Já o pesquisador da FGV Direito Rio, Luiz César Loques, aponta que o “boom” das bets atraiu prefeituras em busca de receita rápida para financiar saúde, educação e assistência social.

A disputa jurídica deve ser resolvida no Supremo Tribunal Federal (STF), que analisa a ADPF 1212 para definir se os municípios podem ou não criar loterias próprias. A última movimentação no processo ocorreu em 17 de setembro de 2025, quando o caso foi encaminhado à Procuradoria-Geral da República.
Enquanto isso, especialistas alertam para riscos ao mercado e aos apostadores. Sem regras federais mais rígidas, a proteção ao consumidor é reduzida, já que leis municipais estabelecem exigências menores que a outorga federal de R$ 30 milhões e normas de compliance. Além disso, caso milhares de municípios sigam o mesmo caminho, os custos de fiscalização podem se tornar insustentáveis para o governo.